Enchente de Maio de 2024
Relato
Este relato compõe a série de depoimentos que marcam a história do desastre climático de maio 2024 no RS.
Nossa casa era linda, tinha um pátio sensacional, com muitas frutíferas e um espaço amplo para nossos filhos brincarem.
Fernando então relatou que, por volta das 17 horas de 30 de abril, a força da água começou a derrubar as paredes da casa e ele se viu obrigado a pular na água para evitar que alguma parte da estrutura caísse sobre ele.
Sou Bruna Maria Englert, servidora lotada na 1ª Vara Federal de Santa Cruz do Sul. Meu esposo, Carlos Fernando Sales Flores, é também servidor, e atualmente, está lotado no TRF da 4ª Região.
Minha família foi diretamente atingida pela enchente do final de abril/início de maio deste ano de 2024. Morávamos há pouco mais de 3 anos numa casa em Rio Pardinho, interior de Santa Cruz do Sul. Nosso terreno era próximo ao Rio Pardinho, rio que abastece parte de nossa cidade. Nossa casa era linda, tinha um pátio sensacional, com muitas frutíferas e um espaço amplo para nossos filhos brincarem, Pedro (com 10 anos) e Maria Clara (com 4 anos). Tínhamos galinhas, cães (Tigre e Tita) e um gato (Claus Roxin). Vivíamos bem!

No final de semana, antes de 30 abril, minha filha, Maria Clara e eu viajamos para Bagé, passaríamos alguns dias na casa da minha irmã e sua família. Meu esposo Fernando ficou em casa. Chovia muito e naquele final de semana em que viajamos choveu ainda mais e de maneira ininterrupta em Santa Cruz.
Na madrugada de 30 de abril, meu esposo Fernando foi acordado por um telefonema do nosso vizinho, que então lhe alertou que o Rio Pardinho havia saído de seu leito e a água já estava na nossa rua e nos pátios das casas, incluindo a nossa. Meu esposo olhou pela janela e, de fato, a água já tinha tomado conta do pátio (ainda não entrara na casa), impossibilitando-o de deixar a casa de carro ou até mesmo caminhando. Naquele dia pela manhã, Fernando e eu nos falamos por telefone e aí soube o que tinha acontecido. Ele estava bem. Um dos cachorros, Tigre, estava com ele dentro da casa. O outro, nossa cadela Tita, estava solta no pátio e fugiu para longe assim que a água derrubou as cercas e tomou conta de tudo (dias depois do resgate do Fernando, a Tita foi encontrada nas imediações da nossa casa, ela estava viva!).
Iniciamos – eu, família, amigos e conhecidos – uma corrida contra o tempo, ligando para quem podíamos na tentativa de conseguir ajuda para resgatar meu esposo, já que o resgate deveria ser através de barco ou helicóptero. Ainda sem sucesso quanto ao resgate, às 14 horas do dia 30/04, Fernando me disse que desligaria a energia elétrica e a internet para evitar algum tipo de acidente, já que a água tinha invadido a casa. Quando falei com ele neste horário, e a água estava na altura de seus joelhos e, soube mais tarde, que, por derradeiro, atingiu a altura do seu peito. Depois, ao longo daquela tarde, não tive mais contato com meu esposo.
Assim, passei o restante do dia 30 de abril e a madrugada de 1º de maio, pedindo ajuda – e foram muitos que se mobilizaram pelo resgate do Fernando, tantos, que poderia cometer alguma injustiça se nomeasse cada um que se mobilizou – e rezando a Deus, que nunca nos abandona.
Às 7h30 de 01/05 recebi a ligação de um colega da JFRS que me deu a notícia tão esperada: Fernando tinha sido resgatado uma hora mais cedo por um voluntário civil (que por lá transitava de barco auxiliando nos resgates).
Falei com Fernando mais tarde, depois de levarem ele para o hospital, e ele me contou o que nunca podíamos imaginar: nossa casa, grande parte dela, fora levada pelas águas (apenas duas paredes e parte do telhado permaneceram); todo o restante fora arrancado. As árvores, galpões, etc., tinham sido “varridos” pelas águas. Fernando então relatou que, por volta das 17 horas de 30 de abril, a força da água começou a derrubar as paredes da casa e ele se viu obrigado a pular na água para evitar que alguma parte da estrutura caísse sobre ele. Ele conseguiu nadar até uma árvore que ele considerou “resistente” e lá permaneceu, sob o mau tempo e com muito frio, durante toda noite e madrugada, até ser resgatado na manhã de 1º de maio. Nosso cão, Tigre, também conseguiu se salvar e foi resgatado. Porém, nosso gato, Claus, infelizmente, ainda não conseguimos localizar.

Hoje, já estamos estabelecidos em outra morada.
Hoje, já estamos estabelecidos em outra morada. Poucas coisas conseguimos recuperar da nossa antiga casa. Mas o que nunca perderemos são as lembranças de dias bonitos e alegres que lá vivemos. A todos que de alguma forma estiveram (família, amigos, colegas, conhecidos, desconhecidos) – e permanecem – junto da minha família, especialmente naqueles dias de fim de abril e início de maio, meu sincero agradecimento e o desejo de que estejam sempre sob a proteção de Deus.