logotipo da justiça federal do rs

DiverCIDADE étnica, social e cultural na história de Porto Alegre

O Memorial da Justiça Federal do RS promove a Série DiverCIDADE étnica, social e cultural na história de Porto Alegre, iniciando com o tema Breve História de Porto Alegre – palestra do Dr. Charles Monteiro, historiador e professor da PUCRS. O vídeo está disponível no Youtube da Justiça Federal RS.

Processo judicial histórico – Família Couto

Instaurado no período monárquico, o processo da família Couto foi um dos primeiros a tramitar na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, criada logo após a Proclamação da República e instalada na capital gaúcha em março de 1891. Um mapa confeccionado na década de 1820, e levado aos autos pela família Couto, é hoje um dos documentos mais antigos no acervo do Memorial da JFRS.

Em 1881, os herdeiros de Joaquim Pereira do Couto protocolaram uma ação no Juízo dos Feitos da Fazenda da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, reivindicando o domínio de direito de três quadras de terrenos localizados na vila de Porto Alegre, que abrangiam a Praça Conde D’Eu (antiga Paraíso, atual XV de Novembro), a rua Silva Tavares (antiga Bragança, hoje  Marechal Floriano Peixoto) e um trecho do Caminho Novo (atual rua Voluntários da Pátria).

Os reclamantes pretendiam provar que a área demandada correspondia à parte que coube ao finado Joaquim de uma chácara pertencente a seu pai, Antônio Pereira Couto, inventariada e partilhada em 1821. Quando estourou a guerra civil na Província (Revolução Farroupilha, 1835-1845), Joaquim mudou-se para São Paulo, retornando só no final do conflito para Porto Alegre, onde morreu em 1862. Na sua ausência, a Fazenda Pública Nacional declarou os terrenos devolutos. Destinou uma parcela à Câmara Municipal e o restante aforou a vários particulares.

Conforme os herdeiros, a Fazenda atuou ilegalmente e com má-fé. Quanto à Câmara Municipal, “dizendo-se defensora de suppostos interesses públicos”, procurava dificultar por todos os meios o reconhecimento da propriedade reivindicada, porque colocou parte dos terrenos concedidos para logradouros em proveito dos “protegidos da edilidade”, e estes perderiam tal benefício caso os Couto ganhassem a ação.

Por exceção de prescrição, a Fazenda Nacional disse que possuía os terrenos desde 1835, portanto há mais de 40 anos, e que não houve má-fé, uma vez que os reclamantes jamais interromperam o curso da prescrição, assistindo sem oposição à construção de prédios sobre os ditos terrenos. O juiz dos Feitos da Fazenda acolheu os argumentos e julgou improcedente o pedido dos herdeiros de Joaquim, que recorreram da decisão.

Em acórdão de 1889, a Relação Revisora da extinta Corte do Império condenou a Fazenda Nacional e “consequentemente os actuais possuidores dos terrenos reivindicados” a abrirem mão dos mesmos em favor dos recorrentes, com os seus prédios e rendimentos livres de ônus. Decidiu que, “sendo senhores e proprietários de todos os terrenos beira-rio no Caminho Novo os herdeiros do Couto, não podia ter sido feita qualquer doação” pela Fazenda Nacional. Ou seja, os terrenos não eram devolutos. Tampouco poderia se alegar a prescrição pela posse, uma vez que os herdeiros sempre apresentaram, “quer ao Governo Provincial, quer ao Governo Geral”, reclamações contra os atos de domínio praticados pela Fazenda.

No dia 11 de abril de 1891, a competência para julgar a matéria passou à recém-criada Justiça Federal. Os herdeiros do finado Joaquim já eram legalmente proprietários da área reivindicada, faltando-lhes apenas a imissão na posse, “por depender este facto da liquidação do valor dos rendimentos dos terrenos e da construção dos predios – isto é as prestações de autores e réos”. 

O juiz federal Hermínio Francisco do Espírito Santo determinou que os peritos avaliadores nomeados pelas partes analisassem os “rendimentos e interesses que deverião ter produzido para os liquidantes ditos terrenos, (…) anno por anno, o valor da renda que darião somente os terrenos que pertencião aos liquidantes, sem os acessórios e benfeitorias feitos pelos liquidados, tendo-se em atenção o aumento do valor que com o tempo e progresso da cidade forão adquirindo”.  Liquidada a execução, ficou fixada em 369:500$00 (trezentos e sessenta e nove contos e quinhentos mil réis) a indenização que os Couto deveriam pagar aos executados para serem imitidos na posse dos imóveis reivindicados.

Em janeiro de 1900, o juiz federal substituto Antonio Corrêa de Oliveira concedeu à família Couto a posse dos terrenos localizados nas ruas Voluntários da Pátria e Marechal Floriano Peixoto, bem como os prédios neles construídos.

Inconformados, a viúva de Miguel Teixeira de Carvalho e outros executados tentaram suspender a execução por meio de embargos. Também sem sucesso, decidiram entrar com agravo de instrumento no Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal considerou que os embargos não poderiam ser admitidos pelo juiz, porque apresentados fora do prazo legal. Por fim, tendo em vista que os Couto já estavam na posse dos imóveis, que os executados já haviam recebido as indenizações, e que não mais cabiam recursos, julgou encerrado o processo de execução.

Imagem da capa do processo antigo

Capa de um dos volumes do processo, iniciado na então justiça estadual e remetido à federal “Juizo Federal da Secção do Estado do Rio Grande do Sul” em 1891.

foto de mapa antigo

Detalhe do mapa da década de 1820 levado aos autos pela família Couto para facilitar a demarcação dos terrenos reivindicados. Na imagem, é possível identificar a Praça Conde D’Eu (antiga Paraíso, atual XV de Novembro), a rua Silva Tavares (antiga Bragança, hoje Marechal Floriano Peixoto) e um trecho do Caminho Novo (atual rua Voluntários da Pátria), mencionados na descrição do processo. Logo após a Proclamação da República, os nomes dos logradouros públicos de Porto Alegre foram alterados pela municipalidade, com o propósito de apagar os vestígios da monarquia e afirmar o novo regime.